domingo, dezembro 06, 2009

Pintando Sabrina

“Esse é um dos melhores espumantes que já tomei.” Disse, ao se aproximar de mim, inclinando a taça em um prazeroso gole.

“ É da Alemanha. Muito bom, realmente.” Respondi, com certa indiferença.

Ela estende as mãos, com um sorriso ébrio nos lábios. “Meu nome é Sabrina.”

Seguro levemente, um beijo delicado, indecente entre seus dedos.

Sou apaixonado por cada detalhe de uma mulher bonita. Nunca enjoo. Cada mulher conhecida, é um livro a mais lido, vi isso em um filme. Sabrina não era diferente nesse sentido. Linda de emudecer um homem só por estar em sua presença. Observo os braços delicados, a pele alva como a espuma do champanhe.

“Henrique.”

“O centro das atenções desta noite. Aliás, parabéns! Dei uma volta pela galeria. Você pinta muito bem. Gostei do quadro dos esfarrapados transando.” E mais um gole na taça fina de cristal.

“É, alguns artistas levam a vida inteira para entender sua própria arte e morrem sem conseguir. Eu não faço nada disso. Minha arte é simplismente a extensão material da minha admiração inexorável pelo ato sexual entre um homem e uma mulher.”

Ela cala. Revisa meu corpo com os olhos, mais um gole na taça, quase vazia. A sombra da franja de seus cabelos pinta uma sensualidade peculiar no seu rosto. Ela dá meia volta e segue andando com a negligência fingida e costumeira das mulheres bonitas. Observo, esculpo mentalmente o seu corpo nu, naquele mesmo caminhar, e minha boca enche de saliva.

“Henrique, tava te procurando. Vamos, preciso te apresentar a uma pessoa muito importante.” Era minha marchand, Lívia. Agarrou-me pelo braço e me conduziu até um indivíduo gordo, de estatura média, desses ricos que adoram fingir que entendem alguma coisa de arte.

“Henrique, esse é o Sr. Victor Fattino, dono da rede bancária Fattino. Sr. Fattino, esse é o Henrique, o artista.”

O cumprimento de mãos de praxe.

“Gostei muito desse quadro, me deixou num desassossego.” Diz ele olhando para o mesmo quadro citado por Sabrina. “Não sei ao certo se minha análise está correta...” Continua falando. Sua voz vai silenciando em minha mente enquanto observo, ao longe, os movimentos de Sabrina pela galeria. Sugo o momento e, mentalmente, sincronizo aquela bela imagem com La Donna É Mobile da Ópera Rigoletto. Pairo sobre as plumas saltitantes de minha libido ardente. Volto o olhar para o gordo de estatura média e interrompo seu discurso.

“Se ao ver este quadro o senhor ficou desassossegado, minha arte cumpriu seu dever.”

“Ofereço R$30 mil.” Diz ele com expressão de superioridade.

Lívia olha para mim como a criança que aguarda a permissão do pai para sair do castigo.

“Este, infelizmente, não está à venda. Desculpe! Agora, se o senhor me dá licença...” E vou caminhando em direção à Sabrina, que permanece em uma das janelas, encarando o ar suspenso lá fora.

Lívia ainda vem atrás de mim, tentando me conter. Eu lanço o olhar que ela já conhece. Ela fica. Eu sigo. Pego uma das garrafas do espumante e me aproximo.

“Odeio os organismos da cúpula...” Falo com olhar também perdido na janela.

“Viva os orgasmos da cópula!” Ela responde. Um gole na taça. Um sorriso, enquanto o champanhe umedece em redor de seus lábios.

Ofereço, num movimento, mais bebida. Ela estende a taça e me encara.

“És somente mais um desses artistas pedantes?” Pergunta.

“O que você acha?” Dou um gole, no gargalo.

“Acho que sim.”

“Todos esses conceitos são muito relativos. Não penso se sou bom ou não no que faço. Eu vou lá e executo. Se faço com excelência, isso já é consequência da admiração dos outros.”

“Qual a tua paixão?”

“O sexo feminino.” Respondo com firmeza. Ela empina levemente o queixo.

“Por que voltaste aqui comigo?”

“Tua arte em minha cabeça.”

“Hum...seja mais claro.”

“Eu te pintei nua a noite inteira.”

Abre o sorriso. “Tô hospedada no La Vizzon, corbetura. Não me faz esperar muito.” Mais um gole, desdenhoso. “Leva tinta e o quadro dos esfarrapados.”

“O quadro é muito grande.”

“Leva.” Deixa a taça na minha mão e vai embora. E na minha cabeça, a voz de Pavarotti ressona:
“La donna è mobil
qual piuma al vento
muta d'accento
e di pensier
e di pensier
e di pensier”

Fico algum tempo ainda degustando a boca de Sabrina nos goles do meu champanhe, no gargalo. Observo as pessoas na galeria, a maioria podre de rico. A Lívia adora minhas vernissages, interagir com toda aquela gente. Podres de rico! Bando de hipócrita, burros, não entendem porra nenhuma de porra nenhuma.

“Lívia, tenho que ir. Vou levar um dos quadros. Não me pergunta por quê. Vende os outros, quanto quiserem pagar.”

“Tá certo. Depois te passo o saldo final de tudo.” Disse ela, me bejiando no rosto.

Lívia não questionava meus pedidos. Eu pintava bem e ela ganhava, por minha causa, muito dinheiro. Não tinha do que reclamar.

Peguei o quadro e fui para o estacionamento. Porra de quadro grande! Tive que pegar uma das vans. Passei em casa para pegar as tintas e segui para o La Vizzon. Sabia que era um dos melhores hotéis da cidade, somente os da cúpula se hospedavam lá. Podres de rico!

Parei a van em frente a entrada do hotel, peguei o quadro e dei a chave para o manobrista. Outro funcionário me ajudou com as tintas. No balcão, o atendente disse que Sabrina já tinha deixado o recado. Subi para a cobertura.

Era uma puta de uma cobertura! Sabrina vem sorridente, envolta apenas em um roupão de seda. Depois que o funcionário deixou minhas coisas e foi embora, ela fecha a porta.

“Tira tua roupa” Ela diz.

Enquanto me dispo, ela contempla o quadro. Quando termino, ela caminha o olhar pelo meu corpo, chega perto, desliza a taça de champanhe pelo meu tórax, desce no abdome e, com cinismo: “Lá fora. Traz as coisas.”

Como um cão adestrado, eu obedeço. Lá fora é uma vista estonteante. Uma piscina, um pátio imenso, outros adornos desnecessários aqui e a vista da cidade.

Ela toma o quadro das minhas mão e joga no chão. Desamarra o nó do roupão, que esvai do seu corpo com total harmonia. Suspiro, me vem uma ereção. Sabrina pega o champanhe e derrama sobre seu corpo desnudo. O líquido escoa junto com os meus pensamentos artísticos. Junto a ela, eu ajoelho, feito escravo. Bebo em seu corpo toda a volúpia do momento.

Ela se afasta, em direção às tintas. Enfia as mãos nos potes e se pinta. A passar as mãos coloridas pelo seu corpo alvo, ela torna seu sexo em arte. As palavras são desnecessárias, não falamos. Fico estático enquanto Sabrina locomove-se poeticamente no quadro da minha visão. E agora, já é Die Zauberflote Act II – Der Holle Rache que musicaliza minha pintura animada.

Vai ao quadro e reclina-se com luxúria. Deita e rola sobre ele. O olhar convidativo, eu me somo a ela. E, ali, num ato sexual prismático, desfiguramos totalmente a imagem que ainda restava fosca na tela.

Com a proficiência de um maestro, eu arpejo a orquestra lancinante de Sabrina e seus gemidos seguem o arco-íris desenhado pela minha batuta destemida. Eu sou Tenor, ela, minha Diva.

A sinfonia continua. Pincelados sobre aquele quadro, nossos corpos tornam-se uma aquarela de lascívia. E, quando eu já estava a vislumbrar o ato final da minha Ópera mental, Sabrina, suavemente, enlanguesce em um gozo sincrômico.

Um ao lado do outro, nos encaramos, nos deleitamos em nossa pintura final.

“Não és somente mais um desses artistas pedantes.” Ela diz.

“Teu marido que é rico?”

“Não sou casada. Meu pai.”

“Odeio os organismos da cúpula...”

“Viva os orgasmos da cópula!”

O Noivado de Luiza

O acaso sempre apronta comigo. Não que eu não tenha gostado algumas vezes. Sim, algumas eu apreciei, de fato. Mas quando essas surpresas nos traz infortúnios, é aí que mora o perigo.

Vinha eu descendo pela Visconde de Souza Franco, saindo da farmácia, tinha ido comprar uma Vitmaina C e alguns surpéfluos. O chocolate me entorpece tal qual uma dose de Uísque.

Sempre gosto de observar as expressões faciais dos transeuntes da rua. Dependendo, de cidade para cidade, as pessoas tendem a ter um ar mais sisudo ou mais alegre. Como as de São Paulo e as do Rio de Janeiro, respectivamente. Baixo a cabeça e observo a sacola da farmácia, a barra de chocolate, não me contenho e vou adiante, a comê-la. E, quando estou a degustar o primeiro pedaço, sorrindo clandestinamente em meu regozijo interior, escuto: “Peeeeedro!! Não acredito!!”, com uma das mãos na cintura e o olhar perplexo, Luiza pousa a outra mão em meu ombro. Sorrio, entre embevecido – pelo chocolate – e nauseoso – pelo momento.

“Tudo bem, Luiza?”

“Tudo bem sim. E contigo? Por onde tens andado? Falei com tua irmã alguns dias atrás no shopping.”

“Minha vida não mudou muito. Estou 5 kg mais gordo e comecei a malhar. E tu, namorando ainda?” , a velha curiosidade da dor de cotovelo.

“É. Estou noiva, olha!”

Estende as mãos com galhardia para exibir a porra do anel. Chique! Um diamante solitário que quase me cegou.

“ Legal. Bom, parabéns! Enfim, Conseguiste o que tanto querias.”

“Ah, Pedrô! Já vai começar? Pára com isso. Vamos tomar um café juntos?”, ela pergunta naturalmente.

“Boulevard?”

“Sim, pode ser.”

No caminho do shopping, pude observar o sorriso irônico no rosto da filha da puta. Namoramos 7 anos e há 10 meses estávamos separados. Desde que ela conhecera o porra do advogado. Outro filho da puta! Dar em cima da namorada dos outros...

Conheci Luiza na época do convênio dela. Eu tinha 21 e ela 17. Fez sinal, entrou no meu táxi. Foi uma corrida de 30 min. E nos apaixonamos. Não durante a corrida, é claro. Mas foi o ensejo para que eu a convencesse a sair comigo. Ela era de classe média e eu também. Como tive uma adolescência desvairada, meu pai me deu um táxi para eu não virar vagabundo. Hoje, olhando Luiza com o anel, me arrependo.

“E o coração? Nem uma namoradinha ainda?”

“Não, não. Quero distância de relacionamentos agora. Tô só comendo mesmo.”
“Credo! Seu grosso!”, com um tapinha nas minhas costas.

“E o Advogado? Como tem se saído contigo? Sabes que és barra pesada.”

“Ah, é mesmo! Eu sou um amor, meu bem.”, eu que o diga! Como sentia saudades de cair de boca naquela boceta.

“Ah, ele é muito carinhoso e atencioso. Faz todas as minhas vontades. Sou muito mimada.”

“Cuidado, esses assim são os piores. Deixam a mulher bem à vontade e metem chifre com outras que ela nem percebe.”

“Tu vais continuar com isso? Eu vou embora agora!”

“Calma! Só fiz uma observação.”

Enfim, chegamos às Mulatas, na praça de alimentação. Puxei a cadeira para ela sentar. Sempre puxo a cadeira para uma mulher sentar. Gosto de ver o movimento do seu quadril durante o ato, a inclinação voluptuosa que me remete a pensamentos libidinosos. O coração do homem é terra que ninguém anda.

Peço Capuccino. Ela, suco de laranja. Pego em suas mãos, ela sorri amistosamente, a encaro com doce fulgor:

“Ainda pensa na gente?”

“Claro! Sinto saudades todos os dias. Foste muito importante na minha vida Sabes disso... mas, as coisas acontecem como devem acontecer.”

“Não falo disso. Ainda pensas em mim, como namorado?”

“Ah, Pê! Não, né?! Agora eu tô com o Osvaldo.”, filho da puta! “Por quê, tu pensas em mim assim ainda?”

“Não, não. Mas também sinto saudades. Pê. Meu apelido favorito.”, ela sorri cínica.
Quando eu de fato namorava Luiza, não imaginava um dia perdê-la definitivamente. Ela sempre demonstrava ser apaixonadíssima por mim. Era carinhosa, cozinhava bem e, o melhor, fodia maravilhosamente. Com ela, não tinha frescura! Chupava meu pau e engolia o sêmen como quem toma um sorvete de cupuaçu. Olhando-a ali, tomando o suco de laranja pelo canudinho, lembrei disso.

“Tinha vontade de foder mais uma última vez contigo. Só mais uma.”

“Que é isso, Pê!!! Agora eu sou noiva.”

“ Foda-se. Sei que ele não deve te foder como eu. Fala a verdade, éramos estupendos na cama!”

“Isso não vem ao caso. O importante, além do sexo, é que ele é carinhoso, faz todas as minhas vontades, eu sou o mundo dele...”

“Mas não te fode gostoso!!”

“ Tá vendo? Por isso te deixei. Pensas que os relacionamentos são baseados somente em sexo! E com essa linguagem chula!”

“Não, mas quando o sexo é bom é 70% do caminho andado. Outra coisa, ninguém chupa uma boceta como eu.”

“Mas tu és baixo, hein, Pedro! Nunca vi!”, olhando para o lado com o biquinho que eu tanto aprecio.

“Vamos, Luiza, uma despedida. Derradeira. Deixa eu sentir teu gosto mais uma vez. Assim eu me conformo.”

“Não! Fica com as lembranças que já tens.”

“Sabes que eu sou insistente. Penso nisso quase todo dia.”, acariciando levemente as mãos dela.

“ Quase todo dia? Ah, então não é tão urgente assim.”, disse, já com um sorriso de elogiada, disfarçando o impulso de ir adiante no assunto.

“Eu quero teu corpo, o teu beijo suado. Quero escutar o teu gemido lascivo por mim!”

“Lembras ainda como eu gosto?”, já permitindo minha carícia em seus braços. Sorrio fogosamente.

Luiza sempre fora paradoxal. Era educadíssima na frente dos pais, mas adorava dar o cu. Por vezes, meu pau ficava mofino de tanto tentar satisfazer sua voracidade sexual. Na verdade, hoje pensando, ela gostava mesmo era do meu pau. Somente do meu. Do advogado não.

“Bom, Pê. Deixa eu ir, tenho que pesquisar as datas disponíveis na Basílica para a cerimônia. Muito bom te encontrar, viu?”, levantando-se vagarosamente enquanto eu ainda segurava com leve ardor sua mão direita.

“Tá certo. Posso dizer o mesmo. Meus mais sinceros votos de felicidade pra ti, Luiza.”, ou seja, que tu te fodas!

“Obrigado! Beijo!”, inclinando-se para beijar meu rosto. Eu a puxo sutilmente e vou ao ouvido, num sussurro:

“Sabes que sempre vou tá aqui, né?”

“Sei...”, e vai se afastando, com o rosto coradinho, a fodida.

Fico sentado, finalizando meu capuccino por mais alguns minutos. Acendo um prazeroso cigarro. O gosto da boceta de Luiza me vem aos lábios. Peço um chopp. Observo a garçonete agachando-se para juntar algo do chão. O quadril. E na fumaça do cigarro, todos os gemidos de Luiza evaporam-se.