“Ôooii!!!”, disse-me ela, cutucando-me pelas costas.
Estava a contemplar o
sol matinal infiltrado nas folhas das árvores que adornam o parque laje quando
fui surpreendido por Lígia.
“Lígia! Que surpresa
boa!”
“ Acabei de chegar. Tava procurando por uma mesa
quando te avistei, de longe. Nem acreditei! Você não é muito de vir tomar café
aqui.”
“ Bom, tenho tentado
inserir hábitos mais saudáveis na minha rotina. Aquela vida de notívago estava
me destruindo. E, veja só, no meu primeiro domingo aqui no parque e já te
encontrei. Vamos tomar café juntos? Ou tá acompanhada?”
“Não, não. Vim sozinha
mesmo. Convidei uma amiga mas ela não quis. Graças a Deus te encontrei. Odeio
comer sozinha!”, disse ela, sorrindo lindamente.
Lígia tinha sido minha
colega de turma em um curso intensivo de espanhol que acabara há 4 meses. Em
nossa primeira conversa concluí que minha amizade com ela seria algo perigoso
para nós dois. A sintonia tanto intelectual quanto física era inevitável,
magnética, uma das melhores sensações que já senti com uma mulher. Puxei a cadeira para ela sentar. Durante o
ato pude contemplar, disfarçadamente, o corpo de Lígia movendo-se, vestido com
aquela roupa que as mulheres costumam usar para praticar atividades físicas. Linda,
linda.
“Saudade, sabia?”,
disse eu, com uma carícia em seu ombro.
“Ah, Tarcísio, você
sumiu. Não sai mais com o pessoal. Eu, quando não to atarefada, procuro sempre
ir.”
Pessoal, que ela se
referia, era uns colegas nossos. Turma que formamos durante o curso. No início
eu gostava de sair com eles, noites boêmias de conversas inúteis e assuntos
superficiais. Minha motivação maior era saber que Lígia estaria presente.
“Tenho estado meio
enrolado no trabalho ultimamente, além do mais, venho refletindo muito sobre
minha vida. Mas isso não vem ao caso. O que você acha de fazermos a trilha?”
“Vim justamente pronta
para isso!”, disse ela, animada.
Durante a caminhada,
deixo Lígia ir na minha frente com a desculpa de que eu não conhecia bem o
caminho. Doce mentira. Enquanto ela subia a trilha, eu, com um sorriso cínico,
ia contemplando as nuances de seus movimentos. As gotas de suor que escorriam
poeticamente pelo seu rosto, depois pelo pescoço, chegando por dentro da blusa
decotada até os seios, que eu já imaginara diversas vezes em minha mente devassa numa tentativa de obter respostas
daquele, ainda, desconhecido mundo. Mamilos rosados? Cor da pele? Aureola
grande ou pequena? Redondos ou elípticos? Qual o tamanho exato? Será que
caberiam inteiros na minha boca? E as nádegas? Duas metades de uma perfeição
complexa. Pareciam dançar para mim, me chamando: “Tarcísio, vem cá, estamos
precisando de carinho. Vem nos beijar. Dá-nos mordidinhas!”. Flutuava nesses
devaneios quando chegamos ao topo do mirante. De lá dava para admirar uma boa
parte da cidade do Rio de Janeiro, porém, meus olhos eram de Lígia.
Enquanto ela,
sorridente e faceira, mirava a paisagem, eu a lambia com os olhos. Tinha o
rosto lindo, cada detalhe, cada pequeno detalhe daquela face era lapidado, milimetricamente
acertado pelo criador. Aos meus olhos, Lígia era superior aos traços de Vênus
ou Afrodite.
Meus hormônios me
coagiam, me incitavam ao ataque. Lembro que pus a mão delicadamente em seu
ombro, ela olhou para mim, ajeitando a franja que descia pelo seu rosto. Eu
sorri. Mirei seus lábios.
“Tinha esquecido o
quanto te acho linda.”
“Ah, Císio, para com
isso. Vai me deixar sem graça.” Ela já estava. O rosto coradinho.
“Por que nunca ficamos?
Sei que essa vontade não é unilateral.”
“Você era noivo, ía
casar. E eu já cansei de me arriscar e acabar quebrando a cara.”
“Agora eu estou
solteiro.”
“Por que não me
procurou antes?”
“Alimentei por tantos
meses esse sentimento que ele esmaeceu, acabei achando uma gaveta em meu
interior para guardá-lo. De vez em quando eu o tirava de lá e o examinava.”
“Quando foi a última
vez que fez isso?”
“Há alguns segundos.”
“E?”
Eu, já quase para
jogar-me sobre ela: “Acho que não cabe mais na gaveta.”
Ficamos alguns segundos
olhando um para o outro. Aproximei meu rosto do dela e ali, tendo a cidade do
Rio como testemunha, fiz várias carícias com meu nariz e boca, nos seus olhos,
nas bochechas, na fronte, inebriado, bêbado dela. Vertiginosamente, li o riso
em seus lábios com a minha boca. Há tempos que tamanha embriaguez não me
consumia. Que coisa mais bela de se sentir!
“Você é poesia, Lígia.”
“Então, me recita.
Agora.”
Num movimento
inesperado, belo, ela tira a blusa. Tive uma espécie de iminência de síncope ao
ver, tão de perto, os mamilos lindos. Depois foi a calça. E a calcinha. E
finalmente a nudez total, antes desconhecida, presente apenas em confabulações
diversas de meu imaginário, agora oferecia-se gratuitamente ao meu universo
real. Epifania...
Aproximei-me, já nu, e
resolvi ficar ali, bem de perto, um olhando pro outro, dando azo àquele frenesi
do prelúdio sexual, numa tentativa tântrica de prolongar ao máximo aquele
prazer inefável.
Lígia, fatalmente, era
um soneto parnasiano, sem nenhum desvio de rima ou de métrica. Era a perfeição
poética em sua mais pura forma.
Taquicárdico,
aproximei-me dos seus seios e, bem próximo, envolto pela curiosidade que me
consumia de sentir aquele gosto...
“Vamos tomar café!”
Afastei-me, com uma
expressão de que não havia compreendido. Olhei para ela e novamente:
“Amor!”
E acordei. Não era
Lígia, era Renata, minha esposa, trazendo-me o café da manhã na cama.
“Preguiçoso. O sábado
tá lindo e você aí dormindo.”, disse, beijando-me o rosto.
Tomei o café escutando
seus planos para o nosso sábado. Depois foi tomar banho. Levantei e caminhei
até a janela do quarto. Na Av. Epitácio Pessoa alguns caminhavam, outros
corriam, carros passando. Baixei a cabeça, lasso, conformado com a ideia de que
a poesia de Lígia estava sendo lida, naquele exato momento, em algum lugar da
cidade do Rio de Janeiro.