domingo, julho 18, 2010

Brincadeiras da Memória

Eu hoje levantei da cama sonolento e desatento.
Procurei em mim com grande esforço o sustento, não te vi.
Senti, ainda, brincando com a minha memória, a suavidade de teu sorriso. E sorri.
Suspirei teus olhos num doce afago.
Lamentei, olhei de lado. 
Dói, é chato, querer teu tato e não poder. No meu espaço, estar sozinho e fenecer...
Procuro distrações, brincar com o tempo, mas eu me lasco.
Se fecho os olhos, é teu aroma que me vem, tua sintonia, o teu enlaço. 
Na tua pele navego meus dedos, cintilo meu beijo
em teu ventre cálido.
Querendo tua companhia. Bebendo esse nosso sentimento.
Sentimento nosso de ternura, que me faz dedilhar teu rosto
e palpitar o coração. 
Reconhecer em teu olhar, meu lar. Ouvir tuas palavras
e escutar nossos segredos
Acho em teus abraços a minha morada.
Me olhas e com esse olhar, conta-me coisas secretas.
Não temos muito mais neste mundo. É só ficar contigo, nada mais.
Só esse desejo de ficar perto, escutando os murmúrios de teu riso acalentando o meu peito inquieto.
É estar ao teu lado, simplesmente. Provar teus cabelos, ouvir
os teus braços enquanto, embaraçada, me contas banalidades.
Me fazendo confidências, dos teus segredos mais bonitos,
sem que ao menos saibas que é em teu corpo que os decifro.
E nesse navegar de minha memória, vivo a eternidade da espera do momento que anseio de contigo colecionar emoções com a doçura de uma criança que brinca de carrinho com a maestria de um sábio.

segunda-feira, julho 12, 2010

A Viagem de Gandhi

        “Atenção senhores passageiros do vôo 7534 para São Paulo, embarque imediato no portão 17”, dizia a voz da funcionária da companhia aérea. O som reverberava fraco nos ouvidos de Franco, que lia distraído a vitrine da livraria. Estava com o pensamento distante, vago, perdido nas lembranças de Aurora. Ah, doce Aurora! Com um sorriso discreto nos lábios, as mãos cruzadas para trás, saiu caminhando para o portão 17.

          “Boa noite, senhor.”, disse a comissária do vôo – cabelo preso “rabo de cavalo”, uniforme justo que deixava transparecer as nuances voluptuosas de seu corpo. Franco sorriu em resposta e teve um lapso de paixão.

          Atravessou o corredor da aeronave, alguns o olhavam, outros para a janela. 14 C, dizia o cartão de embarque. Sentou. Ao seu lado, um homem sisudo, nariz empinado, colarinho branco e pasta de couro. Verificava algo no celular. Franco o observa e sente um conformismo leve, como quem suspira por estar vendo algo familiar. E era isso. Franco tinha um desprezo saudável pelas pessoas comuns, trabalhadoras, envoltas nos convencionalismos da sociedade, como o próprio indivíduo vizinho seu de viagem.

         Disfarçando seu desprezo, Franco logo inicia uma conversa. O nome era Heitor. Heitor Andrade. Falava com voz firme e segura, com uma simpatia de praxe, disse que era vice-gerente de uma grande agência bancária. As palavras ressonavam garbosamente de sua boca, gesticulando como quem se auto-proclama suis generis. Franco demonstrava interesse e incentivava Heitor a continuar propalando suas qualidades. A dado momento, pede licença para ir ao banheiro. Heitor, em resposta:

               Disponha!, voltando a cutucar o aparelho telefônico entre interessado e farsante.

            Franco soergueu-se em um tédio triunfante e ainda deu uma olhadela para o início do corredor, à procura da comissária “Boa noite”. Foi ao banheiro.

             Durante a excreção urinária, olha-se no espelho, egoísta, bendizendo a si mesmo por ter consciência de ser somente mais um humano no mundo. Glorifica sua mente por reconhecer-se como comum. E todas suas sensações de indiferença para com os demais esvaíram-se de seu corpo junto com aquela urina concentrada.

             Olhou para o pênis comum, pensou em Aurora, como ainda conseguia sentir o cheiro de seu ventre, o tato de sua pele e de seus mamilos trêmulos. Que gemido suave que ela tinha! De súbito, no navegar de suas memórias, lhe vem uma ereção. Quando já havia encerrado a urina, recordar Aurora lhe despertou parte do corpo que até então jazia flácida em suas mãos. Pensou na comissária “Boa noite”, o “rabo de cavalo” comum, o uniforme escondendo e ao mesmo tempo revelando parte dos segredos daquele corpo. Sem uniforme. Calcinha comum. Seio comum, lindos! E o gemido. Aurora. Comissária. Aurora. Comissária. Um ménage à trois com Aurora e a Comissária.

            E, quando o sêmen estava para verter de seu órgão rígido, Franco, propositadamente, deixa o produto jorrar em suas mãos. Como que a ensaboá-las, ele as esfrega, uma na outra, até o líquido evaporar e restar apenas o vestígio áspero em seus dedos.

           Não mais em Aurora, nem na Comissária “Boa noite”, agora, em Heitor ele pensava. Volta ao acento. O vizinho de viagem descansava com os olhos cerrados. Franco sorri, num desvelo cínico, aguarda amortecido o pousar, a despedida. Que logo vem.

            Heitor: “Bom, Franco, foi um prazer. Agora tenho que ir. O motorista me aguarda. Tenho que organizar minha agenda do mês. Provavelmente serei promovido”, estendendo a mão, numa educação galharda, espera o retorno da despedida.

               Foi como se Franco se transformasse em um ícone. Veio-lhe a mente, àquela comum mente, fantasias marxianas, guevarias e até, se bem assim posso dizer, gandhianas. 

              Cumprimentando, a sacudir a mão de Heitor com a sua, ele sorveu toda a metafísica do mundo. Todos os delírios das grandes mentes eram seus. Com firmeza, sentindo sua mão cúmplice, conivente, a afagar com solidez a daquele executivo pedante, ele pôde se comprazer num protesto individual.

                Heitor caminhou inocente, comum em sua ignorância. E Franco, depois, já na porta da aeronave, a Comissária: “Boa noite, senhor!”. Ele estende a mesma mão, bandida, a ela. Agora, regozijar-se-ia novamente, por outro motivo, outro desatino...sentiu Aurora em seus lábios.