segunda-feira, julho 12, 2010

A Viagem de Gandhi

        “Atenção senhores passageiros do vôo 7534 para São Paulo, embarque imediato no portão 17”, dizia a voz da funcionária da companhia aérea. O som reverberava fraco nos ouvidos de Franco, que lia distraído a vitrine da livraria. Estava com o pensamento distante, vago, perdido nas lembranças de Aurora. Ah, doce Aurora! Com um sorriso discreto nos lábios, as mãos cruzadas para trás, saiu caminhando para o portão 17.

          “Boa noite, senhor.”, disse a comissária do vôo – cabelo preso “rabo de cavalo”, uniforme justo que deixava transparecer as nuances voluptuosas de seu corpo. Franco sorriu em resposta e teve um lapso de paixão.

          Atravessou o corredor da aeronave, alguns o olhavam, outros para a janela. 14 C, dizia o cartão de embarque. Sentou. Ao seu lado, um homem sisudo, nariz empinado, colarinho branco e pasta de couro. Verificava algo no celular. Franco o observa e sente um conformismo leve, como quem suspira por estar vendo algo familiar. E era isso. Franco tinha um desprezo saudável pelas pessoas comuns, trabalhadoras, envoltas nos convencionalismos da sociedade, como o próprio indivíduo vizinho seu de viagem.

         Disfarçando seu desprezo, Franco logo inicia uma conversa. O nome era Heitor. Heitor Andrade. Falava com voz firme e segura, com uma simpatia de praxe, disse que era vice-gerente de uma grande agência bancária. As palavras ressonavam garbosamente de sua boca, gesticulando como quem se auto-proclama suis generis. Franco demonstrava interesse e incentivava Heitor a continuar propalando suas qualidades. A dado momento, pede licença para ir ao banheiro. Heitor, em resposta:

               Disponha!, voltando a cutucar o aparelho telefônico entre interessado e farsante.

            Franco soergueu-se em um tédio triunfante e ainda deu uma olhadela para o início do corredor, à procura da comissária “Boa noite”. Foi ao banheiro.

             Durante a excreção urinária, olha-se no espelho, egoísta, bendizendo a si mesmo por ter consciência de ser somente mais um humano no mundo. Glorifica sua mente por reconhecer-se como comum. E todas suas sensações de indiferença para com os demais esvaíram-se de seu corpo junto com aquela urina concentrada.

             Olhou para o pênis comum, pensou em Aurora, como ainda conseguia sentir o cheiro de seu ventre, o tato de sua pele e de seus mamilos trêmulos. Que gemido suave que ela tinha! De súbito, no navegar de suas memórias, lhe vem uma ereção. Quando já havia encerrado a urina, recordar Aurora lhe despertou parte do corpo que até então jazia flácida em suas mãos. Pensou na comissária “Boa noite”, o “rabo de cavalo” comum, o uniforme escondendo e ao mesmo tempo revelando parte dos segredos daquele corpo. Sem uniforme. Calcinha comum. Seio comum, lindos! E o gemido. Aurora. Comissária. Aurora. Comissária. Um ménage à trois com Aurora e a Comissária.

            E, quando o sêmen estava para verter de seu órgão rígido, Franco, propositadamente, deixa o produto jorrar em suas mãos. Como que a ensaboá-las, ele as esfrega, uma na outra, até o líquido evaporar e restar apenas o vestígio áspero em seus dedos.

           Não mais em Aurora, nem na Comissária “Boa noite”, agora, em Heitor ele pensava. Volta ao acento. O vizinho de viagem descansava com os olhos cerrados. Franco sorri, num desvelo cínico, aguarda amortecido o pousar, a despedida. Que logo vem.

            Heitor: “Bom, Franco, foi um prazer. Agora tenho que ir. O motorista me aguarda. Tenho que organizar minha agenda do mês. Provavelmente serei promovido”, estendendo a mão, numa educação galharda, espera o retorno da despedida.

               Foi como se Franco se transformasse em um ícone. Veio-lhe a mente, àquela comum mente, fantasias marxianas, guevarias e até, se bem assim posso dizer, gandhianas. 

              Cumprimentando, a sacudir a mão de Heitor com a sua, ele sorveu toda a metafísica do mundo. Todos os delírios das grandes mentes eram seus. Com firmeza, sentindo sua mão cúmplice, conivente, a afagar com solidez a daquele executivo pedante, ele pôde se comprazer num protesto individual.

                Heitor caminhou inocente, comum em sua ignorância. E Franco, depois, já na porta da aeronave, a Comissária: “Boa noite, senhor!”. Ele estende a mesma mão, bandida, a ela. Agora, regozijar-se-ia novamente, por outro motivo, outro desatino...sentiu Aurora em seus lábios.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sacanagem kkkkkk

Jan Câmara

Anônimo disse...

essa eu já tinha lido!

demorou muito para atualizar...
os leitores sentem falta disso...
=]

Emannu Serrão disse...

ainda bem que voltou =)