sábado, maio 17, 2014

Alguma Coisa

Ele: Penso que do jeito que o mundo tá é até difícil você acreditar nas coisas falo. Pareço cafajeste...
Ela: Não te minto. Tuas palavras são piegas.
Ele: Acreditas que eu sempre tive medo de parecer ridículo? O pior é que nem realmente entendo minhas sensações.
Ela: Sensações não devem ser entendidas. Cadê teu coração?
Ele: Esqueci por um tempo. - passa a mão no rosto dela e dá um sorriso discreto. - Tua imagem é tão suave aos meus olhos...
Ela: Ontem escutei o "Abbey Road" dos Beatles, todo, tomando um vinho. Lembrei de ti...
Ele: Nem parece que te conheço há duas semanas! Gosto de Beatles. E de Led Zeppelin também. Ontem escutei BB King.
Ela: Acreditas que pode haver atração e um despertar de um sentimento com tão pouco contato? Com essa nossa parca troca de idéias?
Ele: Tuas indagações me fascinam... Por que não? Basta a carícia que fazes dentro de mim. Na verdade, desisti de tentar compreender.
Ela: Quer mais um pouco de vinho? - e dá um gole no gargalo da garrafa.
Ele a mira por uns instantes. Viaja por várias paisagens naquele olhar, apaixonado, num desespero contido dos sentimentos avassaladores.
Como numa surpresa, dessas pegadinhas que o cotidiano solta vez por outra durante a vida, "Something" começa a tocar ao fundo.
Ela sorri discretamente, fecha os olhos, ergue levemente o vinho e deixa o cabelo dançar sobre a sua face. A música reverbera na mente dele: "...something in the way she moves...".
Ele é absorvido por um frenesi tão poético e puro, impregnado de uma admiração apaixonada. Fica estático, saboreando cada gole daquela imagem.
Ele: Preciso te falar uma coisa, mas não sei se devo.
Ela: Fala.
Ele: Eu não deveria. - toca as mãos dela, suavemente...
Ela: Fala. Simplesmente fala.
Ele: Eu te acho sensacional!
Ela sorri e a face cora levemente. Ele a encara tão terna e profundamente que palavras mais complexas, discursos mais elaborados, não são necessários. Ela entende.
O outro: Eita, que o banheiro está com uma fila imensa!
Eles se olham, disfarçam o olhar e tentam dar vazão àquela volúpia que ainda atravessava seus corpos.
Ele: Bom, vou ter que ir, tenho um aniversário ainda. Prazer ter encontrado vocês dois. - ainda a encara com uma doçura clandestina. - Tchau...
E vai embora. Deixa nela um olhar reticente, de uma distância musical e misteriosa. Ela sorri cinzenta e beija o rosto do outro. A música a tocar ao fundo já era outra, porém aquela conversa atravessava todo o seu universo.

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